Páginas

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

MULTA NA SUCESSÃO

1) MULTA NA SUCESSÃO



José Clóvis Alves



Muito se tem discutido tanto nos Tribunais Judiciais como Administrativos a questão da multa aplicada nos casos de sucessão empresarial, o que me motivou a publicar o presente artigo, fruto de minhas reflexões enquanto Conselheiro da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.



Ressalto que as teses aqui expostas têm aplicação nos casos de fiscalizações ocorridas após a sucessão, uma vez que, as autuações ocorridas antes do evento já devem compor o passivo e, portanto, inaplicáveis a elas as normas relativas à sucessão contidas no CTN:



Art. 129 - O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.

(...)

Art. 132 - A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.



Temos então uma primeira interpretação (literal) do artigo 132 supra transcrito dando o entendimento de que o legislador ao utilizar a expressão "tributo" como obrigação do sucessor em relação ao sucedido, excluiu as penalidades por força da definição do vocábulo contida no artigo 3º do CTN e, independentemente do fato de que a incorporadora e as incorporadas pertenciam a um mesmo grupo e dirigidas pela mesma pessoa física sócia em todas, não se pode abster da aplicação da norma legal, porque tal exceção não existe.



Por outro lado, a interpretação literal não pode ser adotada nos casos em as incorporadas pertenciam ao mesmo grupo sob a mesma direção, pois as atividades bem como as infrações praticadas pelas sucedidas já eram de conhecimento da sucessora através do sócio dirigente administrador do grupo.



Aquestão da responsabilidade por multas aplicadas à sucessora em relação a fatos ocorridos antes do evento sucessório e formalizadas após a sucessão já se encontra pacificada no âmbito da CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS.



A 1ª Turma sempre rechaçou a tese de equiparação da expressão "tributo" contida no artigo 132 com a expressão "crédito tributário" em função da definição do vocábulo do artigo 3º do CTN verbis:



Art. 3° - Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

(...)

Art. 139 - O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.



Interpretando as duas expressões, tributo e crédito tributário, podemos verificar nitidamente que elas não se confundem, pois o tributo é a prestação pecuniária hipotética, ou seja, prevista em lei para determinada situação ou fato que se ocorrido no mundo fenomênico fará surgir o crédito tributário que é montante em moeda, a que o sujeito ativo passa a ter direito contra o sujeito passivo em decorrência do fato ocorrido.



Enquanto a expressão tributo somente pode albergar o valor da obrigação surgida com a ocorrência do fato gerador, a expressão crédito tributário engloba não só o valor da obrigação como seus conseqüentes, se houverem, como as penalidades traduzidas em multas pecuniárias, que podem ocorrer ou não, bem como os juros que também podem ocorrer ou não. Concluindo então enquanto a expressão tributo se refere somente à obrigação no seu valor original, a expressão crédito tributário alberga todos seus conseqüentes, se houverem.



Assim não há possibilidade de equiparação da expressão "tributo" à expressão "crédito tributário".



As teses existentes no âmbito desta CSRF dão duas soluções para o caso de penalidade aplicada após a sucessão, de acordo com a tese do conhecimento.



1ª TESE - Não há conhecimento das infrações pretéritas - afasta-se a multa.



Se a sucessora não participava da sucedida nem mesmo através de um sócio comum ou de sociedades de um mesmo grupo, a multa de ofício deve ser afastada visto que o legislador quis proteger o adquirente ou sucessor de boa fé, logo deve responder somente pelos tributos e não pelas multas, formalizadas após o evento sucessório, conforme julgados contidos nos acórdãos CSRF/01-04.406 e 04.408.



2ª TESE - Há conhecimento das infrações pretéritas - mantém-se a multa.



Se a sucessora participava da sucedida mesmo que através de um sócio comum, pessoa física ou jurídica, mormente no caso de empresa organizada na forma limitada, ou se trata de sociedade de um mesmo grupo "holding", a multa deve ser mantida visto que o legislador quis proteger somente o adquirente ou sucessor de boa fé, aquele que desconhecia os negócios, as operações realizadas pela sucedida. Interpretação contrária levaria à situação absurda de que uma simples alteração societária, incorporação, cisão ou fusão, poderia se prestar a evitar qualquer penalidade tributária em relação aos negócios da sucedida ainda que tivesse pleno conhecimento das infrações que implicará na aplicação das sanções.



A tese ora exposta foi aprovada pela 1ª Turma da CSRF através do acórdão CSRF/01-05.894, pela 2ª Turma CSRF/02-02.623, pelo 1º CC através do Acórdão 107-07.745 e pelo 2º CC através do Acórdão 203-09.645.



Esta tese também está de acordo com a doutrina dos ilustres tributaristas Natanael Martins e Juliana Nunes dos Santos na obra Responsabilidade Tributária, tendo como coordenadores os Doutores Marcos Vinícius Neder e Maria Rita Ferragut, editora Dialética, 2007 - folhas 119 a 122, assim lecionam sobre o tema:



"Nesse contexto, a questão que se apresenta é a seguinte: nas hipóteses de absorção de patrimônio de empresa integrante do mesmo grupo econômico da sucedida, estando ambas sujeitas a um controle comum, aplica-se ainda o entendimento da incomunicabilidade da multa aplicada após a sucessão? Na linha do que fora abordado anteriormente, a resposta seria negativa".

"Mas, para enfrentar o tema em busca de uma resposta satisfatória, primeiramente, é preciso discorrer, ainda que brevemente, a respeito da teoria que envolve a personalidade das pessoas jurídicas.

O Direito brasileiro, a exemplo de muitos outros, atribui personalidade jurídica, isto é, capacidade de exercer direitos e assumir obrigações, às pessoas naturais - aos homens - e às reuniões patrimoniais destinadas à consecução de um objeto/finalidade social, denominadas "pessoas jurídicas".

"Por se tratarem de verdadeiras ficções jurídicas, na medida em que a personalidade é atribuída não a um "ser humano", mas sim a um conjunto de bens e finalidades, administrados e controlados por homens, toda disciplina jurídica relacionada às pessoas jurídicas se reduz ao interesse dos homens que a compõem, de modo que o interesse social consignado nos registros da constituição corresponde simplesmente aos interesses dos seus próprios sócios.

Disso se verifica que, no campo de atuação das pessoas jurídicas, as figuras do sujeito e agente estão concentradas em duas pessoas distintas: a primeira na jurídica, que é quem atua na sociedade, e a segunda na pessoa física, que é quem possui o elemento humano "consciência para praticar negócios".



Tem-se, portanto, que, apesar de dotada a pessoa jurídica de autonomia e de personalidade jurídica, os interesses representam, ao final, à vontade das pessoas que a controla. Analogamente ao acima, deve ser interpretado o binômio grupo de empresas - pessoa jurídica controladora.



Por grupo econômico deve-se entender, em essência, o conjunto de pessoas jurídicas autônomas que, para compartilhar os custos/despesas e maximizar os lucros, optam por se associarem na realização de uma finalidade de interesse comum.



No Brasil, os grupos de sociedades constituem-se mediante convenção, a qual além de definir a quem cabe a função de controlador das demais, obriga a todos os participantes a combinar recursos e esforços para realização dos respectivos objetos.



Contudo, apesar da identidade de cada uma das sociedades integrantes do conglomerado, o fato é que nesses grupos as sociedades controladas perdem parte de sua autonomia de gestão empresarial, pois é a controladora que toma as decisões de maior relevância. Reflexo mais comum dessa "perda de autonomia" é o sacrifício dos interesses de cada sociedade individualmente considerada em prol do interesse global do grupo.



Disso advém à conclusão de que o grupo econômico constitui, em si mesmo, uma sociedade, já que os três elementos essenciais a toda relação societária, que são (i) contribuição de esforços e recursos; (ii) objeto social; e (iii) participação em resultados, estão presentes.



Em conglomerados empresariais, portanto, é a sociedade controladora que incorpora o centro de direção do grupo e, conseqüentemente, das demais sociedades, que não obstante o controle comum é dotado de personalidade e patrimônio distintos.



Sem perder de vista o anteriormente exposto, cabe relembrar que as sociedades controladoras de grupos econômicos são, em última análise, dirigidas por pessoas físicas, muitas vezes as mesmas pessoas que participam da demais empresas da associação.



Tais comentários, na matéria ora analisada, são de relevante importância.



Isso porque, apesar de autônomos os órgãos gerenciais das empresas sucessor e sucedida, fato é que, no contexto do grupo econômico, ambas estão subordinadas às deliberações da pessoa jurídica que as controla. Tal independência, portanto, não passa da pessoa jurídica controladora do grupo, que é quem, por último aprova e decide o destino das referidas empresas. Em outras palavras, apesar de independentes entre si, sucessora e sucedida respondem para uma mesma pessoa jurídica, que as direciona em seus atos negociais.



Conseqüência disso é que, nos casos em que a sucessora e a sucedida encontram-se sob um mesmo controle acionário, os atos praticados por cada uma delas são, em última análise, levados a efeito pela pessoa jurídica que as controla, que não raro é composta pelas mesmas pessoas físicas que participam das empresas envolvidas na reestruturação societária. Desse modo, qualquer conduta dolosa imputável a qualquer uma delas é, em princípio, atribuível à empresa controladora.



Com isso se quer dizer que, na hipótese de a empresa sucedida não cumprir com as suas obrigações tributárias, a punição decorrente dessa atitude pode ser imputada à própria controladora, que é quem, ao final norteia as condutas externadas pela controlada.



Se ambas, sucessora e sucedida, estão sob o mesmo controle acionário, a pessoa jurídica que decide pelo não-adimplemento das obrigações tributarias de uma empresa é a mesma que resolve absorve o seu patrimônio. Isso significaria a reunião, em uma única pessoa jurídica, da sucessora e da sucedida das operações societárias fusão, incorporação e cisão.



Ora, se é verdade que a penalidade não deve passar da pessoa do infrator, e que na sucessão de empresas sujeitas a controle comum as condições de sucessora e sucedida reúnem-se em uma única entidade, que é a pessoa jurídica controladora responde a primeira pelas penalidades decorrentes de infrações praticadas pela última, já se trata de uma mesma pessoa jurídica.



Saliente se uma interpretação mais restritiva do princípio da individualização da pena poderia levar ao equivocado entendimento de que muito embora submetidas a um mesmo controle, ambas as empresas, sucessora e sucedida, guardam sua identidade e suas características próprias, o que seria suficiente para lhes conferir personalidade jurídica diversa da sua controladora.



Não obstante a aparente correção desse entendimento, não se pode perder de vista o fato de que, apesar de dotadas de personalidade jurídica distintas, as deliberações da sucessora e da sucedida decorrem da vontade da controladora, que tem pleno conhecimento da regularidade ou irregularidade fiscal das suas controladoras.



Em estudo ao art. 132 do CNT, Luciano Amaro defende que, pelo princípio da pessoalidade da pena, associado à redação do caput desse dispositivo, que se vale do termo tributo, as sanções administradoras aplicadas posteriormente à sucessão não são imponíveis ao sucessor.



Por outro lado, Maria Rita Ferragut mostra-se adepta à teoria de que, por força do art. 129 do CNT, que utiliza a expressão crédito tributário para determinar a responsabilidade do sucessor, o art. 132 do CNT comporta a transferência da multa, pois a sanção está abrangida no próprio conceito de tributo.



Talvez a composição dessas duas correntes, analisada sob o ponto de vista do poder de controle nos conglomerados econômicos, leve a uma resposta conciliadora.



Ao inaugurar a seção do CNT que trata da responsabilidade dos sucessores, o art. 129, na qualidade de norma geral, estabelece a responsabilidade do sucessor pelo crédito tributário, e não apenas pelo tributo. As situações especificas de responsabilidade por sucessão estão dispostas logo a seguir, nos arts. 130 a 133.



Apesar de o art. 132 do CNT responsabilizar o sucessor apenas pelos tributos devidos antes da sucessão, pois lhe imputar multas configuraria afronta ao princípio da pessoalidade da pena, não se pode deixar de lado que nos grandes grupos empresariais a autonomia das sociedades incorporadora e incorporada é limitada, uma vez que estão sujeitas ao controle acionário e às determinações de uma mesma empresa e das mesmas pessoas físicas que dela participa.



Disso decorre que, não obstante a correção do pensamento defendido por Luciano Amaro, nos casos de sucessão de empresas que compõem um mesmo conglomerado econômico, o termo tributo utilizado pelo art. 132 deve ser interpretado como crédito tributário, sem que, com isso, corrompa-se o princípio de que a pena não pode passar da pessoa do infrator.



Caso o art. 132 do CNT seja interpretado de maneira isolada e literal inúmeras fraudes poderiam ser cometidas pela pessoa jurídica controladora, que poderia deliberar a realização de operações de fusão, cisão ou incorporação entre as suas controladas como forma de afastar a aplicação de penalidades.



De fato, se, no dizer de Fábio Konder Comparato, "A personalidade jurídica cede passo, na exata medida em que o controle ascende ao primeiro plano da problemática societária e comanda soluções especificas, incompatíveis com o absolutismo da separação patrimonial" e, ainda, de que "Não há dúvida de que o poder de apreciação e decisão sobre a oportunidade e a conveniência do exercício da atividade empresarial, em cada situação conjuntural, cabe ao titular do poder de controle, e só a ele. Trata-se de prerrogativa inerente ao seu direito de comandar, que não pode deixar de ser desconhecida..," parece-nos que, realmente, a aplicação isolada do art. 132 do CNT, de molde a se pretender afastar a aplicação de penalidade em operações de reestruturação societárias verificadas dentro de um mesmo grupo societário, lavradas após o ato societário, deitaria por terra os princípios que moldam a imposição de penalidades em matéria tributária, bem como o art. 129 do CNT, que determina que os sucessores são responsáveis não apenas pelos tributos mas, sim pelos créditos tributários dos sucedidos, constituídos ou não.



Ressalte-se, mais uma vez, que a assunção da multa imposta à sucessora após a sucessão não afronta o art. 5º, XLV, da CF/88, base constitucional do princípio da individualização da pena, pois nesse caso a pessoalidade da sanção estaria relacionada à pessoa jurídica controladora e às pessoas físicas que dela participa, a quem se imputa, em última análise, a culpabilidade da conduta delituosa."



Se a incorporadora e incorporadas pertencentes a um mesmo grupo, ainda que informal, sob a mesma direção humana e com sócio comum, a tese a ser aplicada é a 2ª, ou seja - A RESPONSABILIDADE PELA SANÇÃO - MULTA - TRANSFERE DA SUCEDIDA À SUCESSORA.



A tese aqui exposta se assemelha com aquela contida no acórdão CSRF/01-05.894 de 29 de junho de 2.008, aprovado pela unanimidade do colegiado, de relatoria do eminente Conselheiro Dr. José Carlos Passuello, que tem a seguinte ementa:



"MULTA DE OFÍCIO - INCORPORAÇÃO DE SOCIEDADE SOB CONTROLE COMUM: A interpretação do artigo 132 do CTN, moldada no conceito de que a pena não deve passar da pessoa de seu infrator, não pode ser feita isoladamente, de sorte a afastar a responsabilidade do sucessor pelas infrações anteriormente cometidas pelas sociedades incorporadas, quando provado nos autos do processo que as sociedades, incorporadoras e incorporadas, sempre estiveram sob controle comum".



Concluindo, nas autuações ocorridas após a sucessão, é relevante a tese do conhecimento, ou seja, se a sucessora tinha conhecimento dos fatos em função de controle comum, a multa de ofício é devida se, no entanto, a sucessora não tinha conhecimento dos fatos a multa de ofício não é devida.



José Clóvis Alves - Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Uberlândia MG; Professor Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco; Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil; Aposentado. Foi Conselheiro do Primeiro Conselho de Contribuintes e Presidente de Câmara e Membro da Câmara Superior de Recursos Fiscais; Professor da Escola de Administração Fazendária em Cursos presenciais e a distância; Consultor Tributário Fiscosoft.

Nenhum comentário:

Postar um comentário