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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Washington: atleta, cardíaco e diabético

-Era 1996 e o atacante do São Paulo Futebol Clube Washington Stecanela Cerqueira, hoje com 33 anos, jogava pelo Caxias do Sul (RS). À época, uma séria lesão no tornozelo o afastou do campo por mais de 40 dias -período em que perdeu quase dez quilos, passou a sentir muita sede e começou a urinar mais do que o normal.
Eram os primeiros sinais do diabetes. Preocupado, o jovem atleta procurou um médico para saber o que estava acontecendo. Depois de vários exames, foi diagnosticado com diabetes tipo 1 -doença crônica autoimune, que acontece quando o organismo cria anticorpos contra o pâncreas, que deixa de funcionar.
A doença costuma ser diagnosticada em pessoas entre 10 e 40 anos. "Na época, fiquei muito assustado. Tinha apenas 21 anos e uma carreira inteira pela frente. Cheguei a pensar que não poderia mais jogar. Mas o meu médico me tranquilizou e disse que eu poderia ter uma vida normal e continuar jogando, desde que eu controlasse a doença corretamente.
Foi aí que eu passei a me interessar e aprendi a conhecer o diabetes e o que era preciso fazer para controlá-lo", contou. Desde então, a rotina de Washington mudou completamente. O atleta, que não cuidava tão bem da alimentação, teve que abrir mão de doces e passou a seguir uma dieta controlada por nutricionistas, mesclando muita salada e frutas.
Além disso, como seu pâncreas deixou de fabricar insulina (hormônio responsável pela redução da taxa de glicose no sangue), o jogador é obrigado a medir a taxa de glicose várias vezes e aplicar duas doses de insulina por dia, normalmente antes do almoço e do jantar, ou antes de atividades físicas.
"A taxa de glicemia de uma pessoa saudável varia de 70 mg/dl a 99 mg/dl. O diagnóstico de diabetes acontece quando essa taxa está acima de 126 mg/dl. O Washington chegou ao consultório com taxa glicêmica na faixa de 340 mg/dl", contou Fernando Menegat Kuhn, endocrinologista do jogador e professor da Faculdade de Medicina de Caxias do Sul. Kuhn disse que, após o diagnóstico, estimulou ao máximo o atleta, para que ele não pensasse que o diabetes seria um fator limitante para a carreira.
"No início da doença, a tendência das pessoas é imaginar que o mundo acabou. Imagine uma pessoa como ele, um atleta em início de carreira com um grande potencial. Não poderia deixar ele desistir", lembra.
O problema no coração
Com apoio e orientação do médico, Washington continuou normalmente com a carreira e mudou-se para a Turquia, onde passou a jogar pelo Fenerbahce.
Seis anos depois de descobrir que era diabético, ele teve que enfrentar a primeira complicação do diabetes -uma de suas artérias coronárias estava 90% entupida, e o jovem corria o risco de sofrer um infarto. Para Washington, o diagnóstico do problema cardíaco foi mais surpreendente do que o do diabetes.
"Estava treinando e comecei a sentir os sintomas. Começou com uma queimação no peito, mas eu achava que era azia. Isso aconteceu em dois dias seguidos. Continuei treinando e joguei normalmente. Treinei mais dois dias, a queimação começou a aumentar, e senti uma sensação de formigamento no braço. Procurei o médico do clube e durante o teste ergométrico apareceram as alterações cardíacas."
O caso era tão delicado que o jogador foi imediatamente encaminhado para uma sala de cirurgia e passou por um cateterismo (exame feito para ter o diagnóstico correto da doença cardíaca). Depois, Washington teve que implantar um stent (espécie de tubo inserido na artéria para impedir o seu entupimento) e foi afastado da carreira, ficando um ano e dois meses longe dos campos.
Quando voltou para o Brasil, o jogador passou por outra cirurgia e colocou mais dois stents em locais que poderiam apresentar problemas cardíacos no futuro. Após uma bateria de exames, ele retomou as atividades em 2004, no Atlético Paranaense, período em que virou artilheiro do Campeonato Brasileiro e recebeu o apelido de "Coração Valente" -pois a cada gol marcado ele batia a mão direita no peito, como forma de comemorar o retorno ao esporte.
Controle de doping
Além de ter que controlar o diabetes com insulina diariamente, o jogador teve que aprender a conviver também com o problema no coração -para isso ele toma dois remédios todos os dias, um para controlar o colesterol e outro para afinar o sangue. Também precisa fazer exames básicos com frequência -os de sangue todo mês, e os do coração ao menos duas vezes por ano.

Por causa do uso diário de medicação, ele também é obrigado a informar constantemente à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e às comissões antidoping quais são os remédios que precisa tomar. Apesar de enfrentar dois problemas sérios de saúde, Washington diz que nunca pensou que poderia sofrer alguma crise em campo.

"Eu estava bem assessorado, bem acompanhado, não teria por que ter medo." O pior momento, revela, foi quando soube da morte do zagueiro Serginho, jogador do São Caetano, que teve um ataque cardíaco em campo, durante uma partida contra o São Paulo. À época, Washington se calou e não deu entrevistas.

"Eu estava num momento excelente da carreira, tinha acabado de voltar a jogar. Fiquei assustado, pois não é comum vermos cenas como aquelas. Naquele dia, a primeira pessoa que me ligou foi o meu cardiologista.

Ele me disse "esquece isso, não coloca minhocas na sua cabeça porque você está sendo monitorado, você está bem'", lembra o jogador. Tranquilo em relação à sua saúde, casado e pai de duas meninas -Ana Carolina, de 6 anos, e Catarina, de 1 ano e 5 meses-, o jogador diz que o que o ajudou a enfrentar os dois problemas de saúde foi nunca ter desanimado.
"A primeira coisa que as pessoas que têm diabetes ou problemas cardíacos precisam fazer é encontrar a solução para a doença. Depois disso, é preciso aprender a conviver com o problema, aprender a respeitá-lo e não deixar que ele o vença, que ele seja o fim da sua vida. Vivo minha vida como se não tivesse nada", afirmou.

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